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A ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) decidiu que irá rever as regras que disciplinam a emissão de outorgas de embarcações na navegação. A decisão foi tomada após parte do mercado apontar que empresas têm sido autorizadas para atuar na cabotagem utilizando embarcações consideradas irregulares. O objetivo final desses operadores seria conseguir essa licença da ANTAQ para, na realidade, afretar navios estrangeiros – que têm custos inferiores aos nacionais, prática que remete às chamadas “empresas de papel”. 

Embora a agência tenha feito ajustes recentes em regulamentações para, em parte, evitar esse problema, o órgão entendeu que pode mexer mais nos seus normativos após contínuas reclamações de embarcadores. O tema foi incluído na Agenda Regulatória 2025-2028, como “aprimoramento do procedimento autorizativo na navegação marítima e interior”, e passará por uma AIR (Análise de Impacto Regulatório) e por consulta pública antes de ser novamente discutido pela diretoria. 

“Verifico que tal metodologia utilizada atualmente pela setorial de Outorgas pode, e deve, ser aprimorada para evitar distorções mercadológicas, como por exemplo uma empresa afretar embarcações para realizar um determinado tipo de serviço para o qual a sua embarcação garantidora de outorga sequer é capaz de desempenhar”, afirmou a relatora do processo na ANTAQ, diretora Flávia Takafashi.
As preocupações foram levadas à agência pela Abac (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem). Segundo a entidade, o órgão regulador emitiu outorgas para lanchas de passeio, que vêm sendo utilizadas pelas empresas como licenças para operar navios de fora. A revisão das regras vai acontecer no momento em que o governo busca colocar de pé o BR do Mar, lei de incentivo à cabotagem recentemente regulamentada pelo Decreto 12.555/2025. 

A legislação reduziu as exigências de frota própria para embarcadores alugarem navios internacionais – embora essa flexibilização não se confunda com os problemas que a Abac passou a identificar no setor. 

No processo protocolado na agência, a Abac relatou que “diversas empresas receberam autorização para operação na cabotagem sem possuírem embarcações com tipo, tonelagem e porte adequados e compatíveis com operações de cabotagem”. O documento acrescenta que, “apesar disso, estão sendo autorizadas a afretar navios de tipo, tonelagem e porte bastante superiores e incompatíveis tanto com as embarcações apresentadas para obtenção da outorga quanto com o porte de suas empresas”.

Presidente da entidade, Luis Fernando Resano afirmou à Agência iNFRA que a prática gera riscos à navegação, já que essas empresas transportam prioritariamente combustíveis. De acordo com a Abac, o tema vem sendo debatido com a ANTAQ há mais de um ano. “As outorgas da ANTAQ não têm sido criteriosas”, disse Resano, para quem a autarquia não segue a RN (Resolução Normativa) 05, que estabelece os critérios técnicos para a concessão, e adota, de forma “cega”, apenas as normas da Marinha do Brasil.

Mais revisão
A decisão da ANTAQ de rever o modelo de emissão de outorgas foi aprovada na última reunião do colegiado, realizada na quinta-feira (4). Em seu voto, Takafashi destacou que as resoluções normativas que embasam as deliberações da agência sobre outorgas foram recentemente alteradas e que a autarquia já havia definido remédios regulatórios para as empresas que possuem embarcações com autorizações incompatíveis com as atividades exercidas.

“Esta agência havia previsto, na então Resolução Normativa ANTAQ nº 01/2015, remédios regulatórios contra o que se alcunhava ‘empresas de papel’, como posso citar a exigência de obtenção em sua frota de ao menos uma embarcação semelhante àquela que se almeja afretar, bem como a limitação da contratação do quádruplo da tonelagem de sua própria frota em operação”, escreveu Takafashi, lembrando, por sua vez, que, em 2020, o TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que a ANTAQ retirasse da norma as limitações ao afretamento, por considerar que a agência havia extrapolado seu poder regulamentar em relação à Lei nº 9.432/1997.

Ela também argumentou que a agência deve se debruçar ainda sobre eficácia da regra que obriga a comprovação de operação comercial da embarcação. Para ela, o “dilatado” prazo para cumprimento dessa obrigação, uma vez a cada 90 dias, pode facilitar que eventual “empresa de papel” consiga manter a outorga perante a ANTAQ, ainda que os serviços autorizados “estejam longe de serem considerados regulares”. 

“Esse aspecto é de suma importância para um controle posterior à concessão da outorga, como forma de garantir que as EBNs [Empresas Brasileiras de Navegação] estão efetivamente exercendo a atividade para a qual se comprometeram perante à Agência Reguladora”, afirmou a relatora, destacando ainda a necessidade de revisão dos valores de capital mínimo exigido para a obtenção das outorgas, os quais se mantêm inalterados desde 2016. 

“Consoante abordado pela GAF, os valores atualmente vigentes não refletem as mudanças econômicas ocorridas nos últimos anos, o que pode comprometer a capacidade das empresas de responder adequadamente aos desafios do setor, em especial no que tange à operação de grandes frotas afretadas”, declarou. 

Concorrência desleal

Outro problema destacado pela Abac é que empresas com esse tipo de autorização têm acesso a informações das EBNs por meio do Sama (Sistema de Afretamento da Navegação Marítima e de Apoio), o que pode gerar concorrência desleal, especialmente na contratação de afretamentos a tempo para determinadas viagens.

“A embarcação apresentada como suporte ao pedido de outorga não é compatível com a navegação pretendida e tampouco operará na navegação de cabotagem, entretanto, a outorga garantirá à empresa o direito, enquanto EBN, de afretar navios estrangeiros para operam na cabotagem por tempo ou viagem, num total desequilíbrio concorrencial com outras empresas devidamente constituídas e que possuem frota permanente e na bandeira brasileira”, diz a ABAC.

Resano alertou ainda que, mesmo após a decisão da ANTAQ de revisar as regras para a emissão de outorgas, a agência não interromperá, por enquanto, a concessão de autorizações. Na visão dele, enquanto durar o processo de revisão, as outorgas continuarão sendo emitidas.

Ele ainda lembrou que o próprio BR do Mar indica a necessidade de revisão de resoluções da agência. A RN 129, que trata do afretamento, será reformulada, assim como a RN 05, que define os critérios para a outorga de autorização às EBNs. Entre as mudanças previstas está a criação da figura da “outorga condicionada”, que obriga a empresa a operar exclusivamente com o tipo de serviço autorizado.

Outro lado

As empresas citadas pela Abac no processo analisado pela ANTAQ são Golfinho Comércio de Derivados de Petróleo, Lemúria Navegação Marítima e Nova Shore. Todas foram procuradas pela reportagem, mas apenas a Lemúria retornou o contato. A empresa afirmou que “não tomou ciência de qualquer denúncia ou reclamação apresentada pela Abac perante a ANTAQ envolvendo suas atividades”. 

A companhia reafirmou “compromisso com a legalidade, a transparência e a estrita observância das normas que regem a navegação de cabotagem no Brasil, conduzindo suas operações em conformidade com a legislação e com as diretrizes da ANTAQ”, finalizou em nota.

FONTE: INFRA