IMAGEM: OLHAR OCEANOGRÁFICO/DAVID ZEE

Com dimensões continentais e dependência do modal rodoviário, o Brasil deve considerar com seriedade o papel da cabotagem
 
Há, hoje, um consenso crescente de que o transporte precisa responder com celeridade às metas globais de descarbonização. Trata-se de uma mudança estrutural na forma como o mundo organiza a logística e o comércio. O Brasil, com dimensões continentais e dependência do modal rodoviário, deve considerar com seriedade o papel da cabotagem nesse processo.
 

O setor marítimo é responsável por 2,89% das emissões globais de gases de efeito estufa, segundo a Organização Marítima Internacional (IMO), que debate regras para mitigação com metas, prazos e custos.

Em 2023, a IMO aprovou nova estratégia com penalizações para emissões de carbono a partir de 2027, o que impactará diretamente o custo operacional do transporte marítimo globalmente. Para a cabotagem brasileira, o impacto pode ser ainda maior, pois seu principal concorrente é o transporte rodoviário, responsável por dois terços da carga interna, segundo a Confederação Nacional do Transporte, e que continuará usando diesel convencional, sem precificação ambiental. Essa assimetria entre modais compromete tanto a eficiência logística quanto a coerência ambiental da transição.

Diante disso, o custo de adaptação da cabotagem se torna alto, o setor tende a incorporar antes os combustíveis de menor emissão e maior preço, o que pressionaria os fretes. Segundo o Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), o transporte marítimo emite cinco vezes menos CO₂ por tonelada-quilômetro que o rodoviário.

Esse descompasso pode gerar um contrassenso logístico: ao tornar a cabotagem menos competitiva, o Brasil corre o risco de migrar cargas para um modal mais emissor. Embora todos os modais incorporem os custos da transição no futuro, no curto prazo, a cabotagem, com rotas longas e cargas de menor valor agregado, estará mais exposta e esse custo será absorvido pela cadeia, impactando o consumidor.

No campo dos combustíveis renováveis, como etanol e biodiesel, o País já conta com base tecnológica, cadeia produtiva e regulação em expansão. Estudo da Embrapa com o CIBiogás projeta que, até 2040, combustíveis renováveis poderão substituir até 30% do diesel marítimo, com investimentos em infraestrutura, certificação e adaptação da frota.

É preciso formular um plano nacional estruturado para a transição energética marítima, com articulação interministerial e participação ativa de setores produtivo, acadêmico e financeiro. A estratégia deve considerar não só a substituição de combustíveis fósseis por renováveis, mas também os impactos logísticos, operacionais e industriais.

Quando bem estruturada, a cabotagem reduz emissões, integra regiões e melhora a logística nacional. No entanto, o Brasil deve garantir condições regulatórias e econômicas mínimas de competitividade. Sem um plano nacional, incentivos adequados e financiamento proporcional, o país pode perder competitividade e comprometer o protagonismo logístico que sua costa de 7.500 quilômetros permite.

A descarbonização do transporte marítimo é inevitável. Mas a forma como ela for conduzida trará consequências distintas para cada país. O Brasil precisa estar preparado, com dados, coordenação e decisões alinhadas à sua realidade. Evitar distorções, preservar a racionalidade logística e transformar exigências em oportunidades são passos essenciais para que a cabotagem cumpra seu papel como instrumento de progresso ambiental e econômico.

FONTE: DIÁRIO DO COMÉRCIO